31.12.09

De 2009 para 2010

Dias esquecidos um a um, inventa-os a memória.
Profundamente se levanta uma bilha vazia.
Nem o peso nem a leveza nos embriaga.
O perfume a vinho, sim, uma
concavidade do sono. Os dias maciços que se
modelaram. Ou as luzes à volta do barro
onde ficam os ciclos curvamente
ligeiros.
As bilhas ao alto, entre os ombros, contra
a cara amarga, estremecendo com o sangue dos braços
e da cara. Plenas como dias enormes,
acabados. Que são agora imagens fabulosas, mútuas
translações - o escuro em torno dos espelhos vazando de uns
para os outros a sua vida
clara.


Herberto Helder
Ou O Poema Contínuo
2004

30.12.09

Eu devia fazer aqui aquilo que faço compulsivamente no Facebook.

25.12.09


I find shelter, in this way
Under cover, hide away
Can you hear, when I say?
I have never felt this way

17.12.09

Falam, e à medida que vão ficando mais à vontade falam cada vez mais. Algumas têm uma energia transbordante. Podiam estar a fazer coisas lá fora, tal como bordam minuciosamente sem olhar para os dedos.
Depois, desaparecem dentro das burqas e parece que começamos a falar com um boneco. Elas desaparecem mesmo. Aquele pedaço de pano azul mexe-se e de lá sai uma voz abafada.
Escreveu Robert Byron em 1933, quando chegou a Herat, vindo da Pérsia: «De vez em quando um capuz de apicultor com uma janela no cimo atravessa a cena. Isto é uma mulher.»
Nos anos 70 podia haver afegãs de minissaia em Cabul, mas não era assim antes, nem era assim no resto do Afeganistão.
Ainda não encontrei descrição melhor para uma burqa. Um capuz de apicultor até aos pés.

Caderno Afegão
Alexandra Lucas Coelho

15.12.09

às sextas na cave | quando o poema se cumpre


Sessão de poesia ou conversa familiar com:

- Catarina Nunes de Almeida
- Miguel Manso
- Vasco Gato


Catarina Nunes de Almeida nasceu em Lisboa, em 1982. É licenciada em Língua e Cultura Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Encontra-se agora a preparar a sua Tese de Doutoramento sobre Poesia Portuguesa Contemporânea e Estéticas Orientais. Com "Prefloração" (Quasi, 2006) recebeu o Prémio de Poesia Daniel Faria e o Prémio do PEN Clube Português para a Primeira Obra. Deu aulas em Itália, na Universidade de Pisa, tendo recebido o Prémio Internacional de Poesia Castello di Duino, em Trieste. "A Metamorfose das Plantas dos Pés", publicado em 2008, pela Deriva, é o seu segundo livro.

Miguel Manso nasceu em Santarém, em 1979. Vive hoje em Lisboa. Estudou Design da Comunicação e desenho, foi bibliotecário, vigilante de museu e viajou. "Contra a Manhã Burra", publicado em edição de autor, agora reeditado pela Mariposa Azual, foi o seu primeiro livro. Seguiu-se "Quando Escreve Descalça-se", editado pela Livraria Trama.

Vasco Gato nasceu em Lisboa, em 1978. Chegou a estudar Economia. Depois mudou para Filosofia. Actualmente trabalha como tradutor. Com um alto ritmo de produção literária, apresenta, dia 17, nas próximas Quintas de Leitura, "Cerco Voluntário", o seu último livro.

7.12.09

É isto, não é?










II.

Foi simples conhecer-te, simples tomar os teus olhos
nos meus, dizendo: estes são olhos que conheço
desde o princípio. ...Foi simples tocar-te
contra o fundo retalhado, ao arrepio de tudo o que
tínhamos sido, as escolhas, os anos. ...Foi até simples
tomarmos as vidas de cada uma de nós nas nossas mãos, como corpos.

O que não é simples: acordar de se afogar
de onde o oceano batia dentro de nós como placenta
para esta mesma particularidade aguda,
estes dois eus que caminharam meia vida sem se tocarem -
acordar para algo enganosamente simples: um copo
suado de orvalho, a campainha do telefone, o grito
de alguém espancada lá ao fundo da rua
fazendo cada uma de nós ouvir o seu próprio grito interior

Sabendo da mente do assaltante e da assaltada
como tem de saber qualquer mulher para conseguir sobreviver a esta cidade
a este século, a esta vida...
tendo cada uma de nós amado a carne na sua beleza cerrada ou solta
melhor do que árvores ou música (porém amando estas também
como se fossem carne - e são - mas a carne
de seres ainda por sondar na nossa vida mais ou menos literal).


III.

É simples acordar de dormir com uma estranha,
vestir, sair, tomar café,
entrar numa vida de novo. Não é simples
acordar para a proximidade
de alguém que nem é estranha nem chegada
em quem se escolheu confiar. Confiando, não confiando,
até este ponto chegámos, descemos mão
após mão como por uma corda trémula
sobre o que ficou por buscar. ...Fizemos isto. Concebidas
uma da outra, concebemo-nos uma à outra numa escuridão
que recordo como encharcada de luz.

A isto quero chamar - vida.
Mas não posso chamar-lhe vida até começarmos a ir
para além deste secreto círculo de fogo
onde os nossos corpos são sombras gigantes arremessadas contra uma parede,
onde a noite passa a ser a nossa escuridão interior, e dorme
como um animal, a cabeça pousada nas patas, a um canto.


1972-1974
Uma Paciência Selvagem
Adrienne Rich

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