“Sou um ilegal. Por exemplo (e isto é uma confissão que faço publicamente pela primeira vez): numa escaldante noite de
Magdalene, uma menina de 16 anos, não tinha dinheiro para pagar, aos mafiosos como Karim, a travessia do Estreito e estava a morrer de febre tifóide numa floresta dos arredores de Ceuta. Como era muito boa aluna na Nigéria, acreditava que, mal chegasse à Espanha, teria uma bolsa do Governo para prosseguir os estudos. Quando lhe perguntei porque teria essa sorte, quando todas as outras nigerianas são obrigadas a prostituir-se, deu-me a resposta mais inteligente que eu ouvi em toda a minha carreira de jornalista: "Porque o meu Deus te vai usar a ti para me ajudar".
Eu decidi escondê-la na mala do carro, trazê-la para Portugal e tratar dela. Fui à fronteira investigar as probabilidades de sermos revistados e apanhados, congeminei planos e estratégias, mas decidi não a trazer.
O chefe da floresta, um nigeriano alto com ar de cowboy a quem chamavam o "
Pensei numa das tiradas Michel Houellebec: nós não odiamos os imigrantes por os considerarmos inferiores. Tememo-los porque achamos que são melhores do que nós.
E menti: escrevi ao embaixador português dizendo que o sr. M. Era um homem de bem e que vinha passar férias a minha casa. Se o plano do "
Foi um dos dias mais felizes de que me lembro, confesso-o publicamente pela primeira vez.
Sou famoso no Intendente. Chego lá e um enchame de prostitutas negras corre a abraçar-se a mim: Paulô, Paulô!
Paulo Moura é um dos mais interessantes jornalistas portugueses. É um percursor do chamado jornalismo literário. Todos os seus escritos estão rodeados de cheiros, sabores, ritmos e vivências deliciosas.
Em Novembro entrevistei-o para um trabalho sobre a relação do jornalista com as fontes em campo de guerra. Durante duas horas ouvi-o com a atenção de uma criança. Fiquei petrificada com as histórias sobre o Iraque, sorri quando o meu gravador se tornou um obstáculo. Lembro-me de ele ter falado sobre o trabalho que tinha feito com os imigrantes. De afirmar, veementemente, que tinha sido mais perigoso, em determinadas situações, passar aqueles meses com eles do que estar em cenário de guerra.
Hoje, quando pela primeira vez peguei nos apontamentos para o exame de amanhã, deparei-me com este título. Ele disse-me, também, uma coisa engraçada. Hoje em dia toda a gente ignora a morte porque está longe e é noticiada de forma fria. Por isso é que ele experimenta (e lecciona) jornalismo literário.
Há um livro sobre os meses que ele passou com os grupos de pessoas que tentam passar para a Europa. Chama-se Passaporte para o Céu. Não vou tardar em comprá-lo.
2 comentários:
que coisas bonitas se aprendem com esta menina :P
ja tas add nos marcadores (;
beijocas indie*
que lindo.
*joana autoflagela-se por não se ter levantado a horas no dia de entrevistar o senhor*
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