8.10.08

Maria José Morgado e Saldanha Sanches em entrevista na Pública do último domingo

Quiseram ser políticos?

S.S. - Não. Éramos revolucionários.
M.J.M. - Era a luta por um mundo melhor, com tudo o que isso implicava: liberdade, pluralismo…
S.S. - Mas éramos estalinistas. Com alguma crítica, mas aceitávamos o Estaline.
M.J.M. - E o Bando dos Quatro. Mas se quisermos coar isso tudo, e não é para nos safarmos, no fundo o que queríamos era o que temos hoje: liberdade.
S.S. - Não, liberdade não era um valor que nos interessasse. O que nos interessava era a justiça pura, não haver miséria… Quando deixei de acreditar naquilo, via uma pessoa a pedir na rua e ficava deprimido. Porque eu achava que tinha uma solução. Depois reparei que não havia solução nenhuma. Era uma coisa missionária, quase religiosa.
M.J.M. - Éramos muito frugais, vestíamos muito modestamente…
S.S. - Embora tomássemos banho… [gargalhada]
M.J.M. - Há coisas que nunca nos passaram. Nunca comprámos um carro. Eu não tenho carro, o meu marido não tem carro e a minha filha não tem carro.
S.S. - Também por mania, para não seguir toda a gente. Nunca foi nosso objectivo ganhar muito dinheiro. Pode haver aqui uma racionalidade burguesa: pensar na aurea mediocritas do Horácio e a partir daí estamos bem. Vejo gente a meter-se em negócios para comprar uma casa de campo gigantesca… São loucos! Vale lá a pena sujar a face, entrar em compromissos inaceitáveis, fazer coisas que devem moer lá na cabeça para comprar uma casa?

(...)

Estava psicologicamente preparada para a possibilidade de ser presa. Quando isso aconteceu, como reagiu?
M.J.M. - Fui presa por uma razão de delação. Dois estudantes, muito jovens, não resistiram à pancada e sob tortura falaram no meu nome. Não lhes levo a mal. Sou amiga deles.
S.S. - Resistiram bastante tempo.
M.J.M. - Mas depois falaram. A PIDE teve a prova de que eu fazia parte do grupo. Nessa altura já não estava em casa dos meus pais, estava na chamada clandestinidade. Tinha alugado um quarto.

Quem pagava o quarto?
M.J.M. - Eu, com o dinheiro que os meus pais me davam.
S.S. - O partido, se fosse preciso, também dava.
M.J.M. - Sim, mas era a minha mãe que me dava. Ao fim de um tempo, vinha para casa de uma reunião, de madrugada, e vi uns carros à porta. Eu vinha com uma incumbência: queriam que eu escrevesse uma coisa sobre “os novos revisionistas: cães de trela do social fascismo”! Já tinha escrito aquilo umas três ou quatro vezes e achavam sempre que estava mal. Rasgavam tudo, para que eu não pudesse aproveitar nada do que tinha feito. Vinha muito desgraçada da vida porque achava que nunca mais na vida ia ser capaz de escrever um texto que aprovassem. Cheguei a casa, bati à porta, vi a sala cheia de fumo e, quando o senhor me mostra o crachá, pensei cá para mim: “Olha que alívio, já não faço o texto sobre ‘os novos revisionistas: cães de trela do social fascismo’!”
Para ler integralmente nos Caminhos da Memória

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