13.11.08

O Meu Inferno em Guantánamo

"Quando regressei à gaiola, não acreditei nos meus olhos: havia um novo prisioneiro na Charly-Charly-1, dentro de uma gaiola que até àquele momento tinha estado vazia. Era ainda novo, talvez da mesma idade que eu, teria 19 ou 20 anos. Estava deitado no chão e emitia uns sons baixos. Não estava a chorar, mas pensei que estava a ouvir uma coisa parecida com uma melodia, uma triste canção árabe. Já não tinha pernas. As feridas eram muito recentes. (...)
Quando os guardas apareceram para o levar para o interrogatório, ordenaram-lhe que se sentasse de costas para a porta e pusesse as mãos sobre a cabeça. Quando abriram a porta, precipitaram-se lá para dentro como sempre faziam: empurraram-lhe as costas e obrigaram-no a deitar-se, depois prenderam-lhe as mãos e amarraram-no, de maneira que ele já não se podia mover. Abdul gritava com dores.
Por que é que estavam a fazer aquilo? Ele já não tinha pernas, e talvez pesasse quarenta quilos. O que lhes poderia ele fazer? (...)
O estranho era que, embora tivesse sofrido dores inimagináveis, ele era uma pessoa muito contida. Apesar do seu péssimo estado, interessava-se pelos outros. Quando o IRF-Team lhe batia, nunca chorava. Mas quando via outros prisioneiros a serem espancados nas suas gaiolas, então chorava. Chorava alto. Tinha compaixão, embora ele próprio estivesse a ser tratado de um modo tão desumano. Depois foi mudado para outro lado e nunca mais o vi. "
(in O Meu Inferno em Guantánamo, Murat Kurnaz)

2 comentários:

Filipa disse...

de ke editora é o livro?
bjs

A. disse...

Da Ambar!

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