27.12.08

"Merece tanto assim a tua vida?"

Tento abandonar-te no fim das escadas de cartão, em que fabricava partidas e destinos. Regresso à necessidade de criar palavras para contar estas quimeras ásperas e cruas, sem tradução narrativa, mas com tradição ocular. Hoje emudeci. Com o silêncio a sentir tudo isto. Um ditongo, preso na corda da língua, enrola e encaracola, chega baixinho neste sussurro que parte da pele e irrompe pelo íntimo torpor das tuas carícias. A janela do comboio não tem reflexo nem transparência. Quando duas mãos já se conhecem também não precisam de observações, ilações fugidias, jogos de cruza e descruza, de mói e remói, de aproximar ou distanciar. A janela do comboio continua sem reflexo. Com cada palavra a sentir tudo isto. Com cada dia a sentir tudo isto. Sabes que este cigarro, que tenta fumar o passado, arrepia, lembra, recorda. É penoso e duradouro. Questiona.

Será que mereces tanto assim a minha vida?

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