1.12.08

Dream is Destiny

"Se fôssemos, por exemplo, papa-formigas, a senhora e eu, em lugar de conversarmos um com o outro neste ângulo de bar, talvez que eu me acomodasse melhor ao seu silêncio, às suas mãos paradas no copo, aos seus olhos de pescada de vidro boiando algures na minha calva ou no meu umbigo, talvez que nos pudéssemos entender uma cumplicidade de trombas inquietas farejando a meias no cimento saudades de insectos que não há, talvez que nos uníssemos, a coberto do escuro, em coitos tão tristes como as noites de Lisboa, quando os neptunos dos lagos se despem do lodo do seu musgo e passeiam nas praças vazias ansiosas órbitas ferrugentas. Talvez que finalmente me falasse de si. Talvez que atrás da sua testa de Cranach exista, adormecida, uma ternura secreta pelos rinocerontes. Talvez que, palpando-me, me descubra de repente unicórnio, a abrace, e você agite os braços espantados de borboleta cravada em alfinete, pastosa de ternura. Compraríamos bilhetes para o comboio que circula no Jardim, de bicho em bicho, o seu motor de corda, evadido de um castelo-fantasma de província, acenando de passagem à gruta de presépio dos ursos brancos, tapetes reciclados. Observaríamos oftalmologicamente a conjuntivite anal dos mandris, cujas pálpebras se inflamam de hemorróidas combustíveis. Beijar-nos-íamos diante das grades dos leões, roídos de traça como casacos velhos, a arregaçarem os beiços sobre as gengivas desmobiladas. Eu afago-lhe os seios à sombra oblíqua das raposas, você compra-me um gelado de pauzinho ao pé do recinto dos palhaços, bofetadas de sobrancelha para cima que um saxofone trágico sublinha. E teríamos recuperado dessa forma um pouco da infância que a nenhum de nós pertence, e teima em descer pelo escorrega num riso de que nos chega, de longe em longe e numa espécie de raiva, o eco atenuado."


(in Os Cus de Judas, António Lobo Antunes)



Grails - Silk Rd

9 da manhã, sozinha na redacção

Feriado. 9 horas da manhã.

Sozinha na redacção.

Podia fazer uma corrida de cadeiras, mas prefiro ouvir Grails.

Sem phones. wow

Este fim-de-semana o meu sobrinho agradeceu-me o postal que lhe enviei por correio ao convidar-me para jogar à Batalha Naval com ele.

Depois estive a fazer os trabalhos de casa com outro sobrinho. Aprender a ler e a contar.

"Cê Há lê-se QÁ quando não tem cedilha, Mateus. Não, quatro mais cento e onze não dá cinco."

E agora lembro-me. Tenho de digitalizar os desenhos deles.

30.11.08

Yann Tiersen ft/ Shannon Wright - Dragonfly

On the day that we met
I awoke
From a total sleep
You said
Keep your eyes open wide
And keep my arms open wide
You brought me courage
You bring me courage
To keep my eyes open wide
And keep my arms open wide
You brought me courage


13.11.08

O Meu Inferno em Guantánamo

"Quando regressei à gaiola, não acreditei nos meus olhos: havia um novo prisioneiro na Charly-Charly-1, dentro de uma gaiola que até àquele momento tinha estado vazia. Era ainda novo, talvez da mesma idade que eu, teria 19 ou 20 anos. Estava deitado no chão e emitia uns sons baixos. Não estava a chorar, mas pensei que estava a ouvir uma coisa parecida com uma melodia, uma triste canção árabe. Já não tinha pernas. As feridas eram muito recentes. (...)
Quando os guardas apareceram para o levar para o interrogatório, ordenaram-lhe que se sentasse de costas para a porta e pusesse as mãos sobre a cabeça. Quando abriram a porta, precipitaram-se lá para dentro como sempre faziam: empurraram-lhe as costas e obrigaram-no a deitar-se, depois prenderam-lhe as mãos e amarraram-no, de maneira que ele já não se podia mover. Abdul gritava com dores.
Por que é que estavam a fazer aquilo? Ele já não tinha pernas, e talvez pesasse quarenta quilos. O que lhes poderia ele fazer? (...)
O estranho era que, embora tivesse sofrido dores inimagináveis, ele era uma pessoa muito contida. Apesar do seu péssimo estado, interessava-se pelos outros. Quando o IRF-Team lhe batia, nunca chorava. Mas quando via outros prisioneiros a serem espancados nas suas gaiolas, então chorava. Chorava alto. Tinha compaixão, embora ele próprio estivesse a ser tratado de um modo tão desumano. Depois foi mudado para outro lado e nunca mais o vi. "
(in O Meu Inferno em Guantánamo, Murat Kurnaz)

11.11.08

Emmet Gowin


Nancy, Danville, Virginia,
1969

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